Diários de meninas: memórias íntimas, patrimônios coletivos

Já teve vontade de expressar desejos, medos e sonhos num caderno? O diário é um objeto que, se tivermos sorte,  pode atravessar o tempo. Um espaço íntimo de escrita de si, mas também um registro involuntário da cultura de cada época.

Para quem estuda a história da infância, os diários aparecem como fontes incríveis e raras. Isso porque a escrita de crianças — e principalmente de meninas — nem sempre foi considerada digna de preservação.

Por isso, quando sobrevivem e são encontrados, ganham um valor enorme: são ego-documentos, isto é, escritos pessoais que nos revelam não apenas a vida de quem escreveu, mas também as marcas de um tempo e de uma sociedade.

Diário ou Caderno de registro pessoal, cheio de anotações, desenhos, colagens e lembranças. Um espaço para a criatividade e organização.
Este é um exemplo lindo, mas que nunca consegui determinar a autoria. Para mais inspirações, tenho uma pasta aqui: https://br.pinterest.com/acascadacigarra/cartas-e-cadernos/

Meninas Escritoras: exemplos que atravessaram o tempo

Alguns diários se tornaram célebres e hoje circulam como patrimônio cultural: Conxita Simarró, Anne Frank, Zlata Filipović e Bitita (nome de infância de Carolina Maria de Jesus) são algumas das meninas que transformaram suas vivências em escrita.

Em seus diários, registraram o cotidiano pessoal, mas também as marcas do mundo que as cercava, tornando-se testemunhas singulares da história de seu tempo.”

Minha vida de menina: recriando capas numa aula de História da Infância

Na disciplina que estou oferecendo trabalhei com um diário especial: Minha vida de menina, de Helena Morley, escrito em Diamantina no fim do século XIX. Para além da leitura, eu fiquei obcecada com as capas de diferentes edições!

Olha que lindezas!

Na última aula propus à turma que recriássem uma versão pessoal da  capa do livro. Enquanto criavam suas versões, discutimos conceitos da história e historiografia ( como representação e costume), a situação das crianças negras no período de fim da escravidão,  gênero e  cultura material, afinal, o objeto “diário” também fala sobre formas de escrever e guardar lembranças.

Compartilho uma pequena amostra dos trabalhos, fotografados durante a aula:

A Helena está sempre com um trabalho de agulhas nas mãos durante as aulas. Como imaginei, sua capa tem bordado

A Alanna usou colagem, os tons de marrom e azul, as flores secas, deram um ar muito vintage.

Fernanda fez a sua versão em tons pastel e lettering que é a cara de um caderno de alguma menina.

A Camila fez uma colagem usando recortes de imagens e a capa ficou com uma vibe muito de diário.

A colagem da Kelly é cheia de referências ao tempo, natureza e liberdade. Dá vontade de balançar bem alto.

Foi uma experiência leve, cheia de profundidade: a cada capa recriada uma estética, mas também um olhar sobre o que significa ser menina, escrever e guardar memórias. Obrigadas às alunas que me deixaram compartilhar seus trabalhos 🙂

Por que falar de diários hoje?

Diários (físicos ou virtuais) podem parecer apenas cadernos íntimos, mas são janelas para o eu. Eles nos lembram que crianças e adolescentes sempre tiveram voz, desejos e pontos de vista sobre o mundo — ainda que muitas vezes silenciados pela história oficial.

Reler um diário antigo (ou começar um novo) é também um exercício de escuta: do passado, de nós mesmos e das infâncias que atravessam o tempo.

Entre folhas amareladas e capas reinventadas, descobrimos que as meninas sempre tiveram muito a dizer — cabe a nós escutar.

6 comentários em “Diários de meninas: memórias íntimas, patrimônios coletivos”

  1. Eu me identifiquei com o post. Tenho tentado manter diários desde a infância, mas a grande maioria infelizmente foi descartada por vergonha, por constrangimento e porque não queria mais lembrar do que estava registrado (e não era nada de mais, era tipo “Fulana não sentou do meu lado, fiquei triste” etc).
    Mas o exercício de escrever sobre si, o que envolve a rotina, os sentimentos, as reflexões, é maravilhoso. E a releitura nos ensina, muitas vezes, que o que ficou para trás é, de fato, passado.
    Li o da Anne Frank e foi aquela leitura agridoce que termina amarga. É um livro do qual já temos spoiler mas, ainda assim, é uma leitura difícil, sabendo o contexto.

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    • Eu também descartei meus diários por vergonha, um sentimento que carregamos sem nem saber porque! Guardei apenas os cadernos de recordação, que eram uns diários que circulavam para as amigas e amigos deixarem uma mensagem, não sei se estes você já teve…Acho seu blog um diário bem gostoso de ler, sabia? Li alguns posts tomando café da mnahã nesta semana e saí para o dia mais feliz. Quanto aos diários que eu citei, o da Zlata também é de guerra, mas da Helena Morley é mais “leve” – numas, né? Porque o fim do século XIX era uma loucura para as crianças. Que bom te ler aqui <3

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  2. Quando era criança, tive muitos diários. Até na adolescência, tive muitos. Colocava citações, trechos de músicas e claro, meus pensamentos e sentimentos. Pena que por achar tolice, joguei todos foras e não tenho mais nenhuma lembrança de quando era menina. Hoje, adulta, estou tentando recolocar o costume de escrever em um diário de volta à rotina, mas é bem difícil rs. Até mesmo o blog, onde faço meus desabafos ocasionalmente tem sido difícil manter. Mas a gente nunca desiste, não é mesmo?

    Adorei todas as capas, mas a com bordado foi a minha preferida.

    Bjooo

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