Nos dias em que o corpo emperra e o ânimo some, a gente às vezes precisa de um toque de uma mais velha — ou de um pequeno acidente poético.
Eu estava meio down: A artrite, os imunossupressores, o cansaço do último trimestre letivo. No fim da sexta-feira já estava me arrastando quando fui separar uns manuais antigos de bordado para uma orientanda, no meu ateliê-escritório. Foi quando a boneca da Tia Anastácia caiu na minha cabeça.
Ri sozinha.
Pensei: “Ela tá me mandando ir brincar.”
E obedeci.

Decidi costurar uma boneca para mim. Enquanto procurava linhas e tecidos, abri o YouTube — e, por coincidência (ou destino), estava começando uma live da Nina Veiga chamada “A terapêutica no fazer de bonecas – Roda de Conversa no 3. Simpósio Artes-Manuais para Terapias“. Fui ouvindo, agulha atrevessando o pano, as falas me atravessando. De repente, aquele gesto simples de alinhavar tecido virou algo muito mais pra dentro que o avesso.

A boneca começou a ganhar forma, foram muitas horas em uns quatro dias, mas ela foi se harmonizando, e eu, que me sentia tão desconjuntada, fui me alinhando também. No Domingo de manhã ela já estava com o cabelo pronto, escolhi um lindo castanho de lã natural.

Mas, à tarde, uma amiga sugeriu: “Por que não o cabelo da cor que está o seu?” Achei a ideia boa, mas não tinha lã rosa, então inventei de tingir uma lã bege com a mesma tinta temporária que uso nos meus cabelos grisalhos quando quero ficar mais colorida. Enquanto a lã mudava de tom, percebi que o processo era sobre isso mesmo — transformar o que já existe em algo mais vivo, mais encantado, mais meu.

Bordei o rosto, fiz acessórios, me empolguei. Cada minuto cavado era dedicado a isso. A cada ponto, o tempo parecia se ajeitar. O corpo doía menos. O humor voltava em fiapos de cor.

Costurei suas roupas com cuidado. A camisa com gola Peter Pan, a jardineira pie-de-poule com a saia pregueada. Deu trabalho, mas ficou como eu queria.

Então, do caos à calma, e ela estava pronta! Posso jurar que havia curiosidade, alegria e um certo orgulho estampado naquele rostinho de pano (e no meu ao olhar pra ela em seus detalhes).

E já que era pra brincar, convidei para uma festa de Halloween. Fiz bolsinha de morcego (que vira pochete), chapéu, sapatos de fivela. A ideia agora é ir renovando o visual com a passagem do ano.


Fazer essa boneca foi um exercício criativo e de presença. Foi um jeito de voltar a brincar comigo mesma, de lembrar do que eu gosto. O gesto de criar é também o de curar. A boneca me puxou de volta pro mundo e, de alguma forma, pro meu próprio corpo. Não eliminou meus problemas, mas iluminou muita coisa. E se tem algum exagero na frase Vai brincar que passa, tem também um bocado de verdade. Vai brincar pra ver o que acontece…
Que lindo 🩷🥹
Que importante essa cartografia. É importante ter uma linha de fuga e as artes-manuais produzem essa deriva necessária diante de uma realidade pouco favorável à vida.
Parece que o recado da tia Anastacia foi certeiro, né?!
Ficou muito autêntica! Adorei a temática halloween, quero ver as próximas!!!
Já estou pensando no look para a temporada de bloquinhos em Curitiba! hahaha
Adorei. Quem me dera ter esse tipo de prática com as mãos. Sou péssimo.
p.s: não fechei meu blog, só está em manutenção. Logo a casinha reabre.
Ahhh que bom saber que está só fazendo ajustes, como sou nova neste wordpress ainda não entendo bem como as coisas funcionam. Volte em breve, por favor!
Que linda que ficou. Queria muito aprender a fazer, além de fofa é muito terapeutico.
beijos
É um aprendizado que você vai acumulando. Minhas primeiras bonecas eram mais simples, fui aprimorando na experiência de colocar a mão na massa. Vai com fé!